De bote e câmera, jovens fazem vídeo da enchente no Rio; veja

15/04/2010 20:29

 

 

Com ruas alagadas, jovens percorreram 2 km na água suja da Tijuca. Presos no ônibus, passageiros transformaram último banco em banheiro.

 


“Foi cena de final do mundo!” Essa foi a frase que o publicitário Diogo Vianna usou para definir a experiência que viveu na madrugada de terça-feira (6) ao percorrer, de bote, uma das áreas críticas da Região Metropolitana do Rio de Janeiro - as imediações da Praça da Bandeira, na Zona Norte.

Veja, ao lado, o documentário do grupo Rizoma

Por volta de 1h30 da madrugada do dia 6, Vianna, de 24 anos, estava em casa com o amigo Leonardo Coupey, ambos integrantes do Rizoma. O grupo se propõe a fazer “releituras do espaço urbano através de intervenções que quebrem a rotina”, como o próprio Vianna define. Diante da tempestade que desabava sobre a cidade, eles decidiram agir, de uma maneira bastante insólita.

Inicialmente, a ideia era ir até a Praça da Bandeira, na Zona Norte, um dos pontos que mais alagam no Rio, e fazer uma espécie de protesto no local, a bordo de um bote. “Na portaria do meu prédio, não imaginava aquilo: a rua alagada e o trânsito ao contrário. Resolvemos, então, fazer o percurso todo de bote”, recorda Vianna, que mora na Tijuca, também na Zona Norte.

Presos no ônibus, passageiros faziam xixi no último banco 
O humor de Vianna e Coupey foi mudando ao longo dos quase dois quilômetros do percurso pelas ruas tomadas pela água, em um bote a remo. Bem-humorados no começo, ao chegar à Praça Afonso Pena, por volta de 2h30, foram saudados por pessoas que estavam ilhadas em bares e restaurantes. Na fila de carros, motoristas diziam estar parados há horas. Passageiros de ônibus avisavam pela janela que tinha água dentro do veículo.

Mas, ao chegar à Praça da Bandeira, por volta de 3h, eles encontraram carros quase totalmente cobertos pela água e situações de emergência. “Uma moça gritou de dentro de um ônibus: ‘Preciso de ajuda! Meu pai está operado e quero colocá-lo no bote!’”, conta Vianna. Eles resolveram ajudar no que podiam.

“Nós conseguimos resgatar um senhor que estava com o neto, agarrado a um poste com água pela cintura. Nós os pegamos de bote e os colocamos dentro de um ônibus”, conta Vianna. Ele relata que, na Praça da Bandeira, em frente a uma cabine da Polícia Militar, um PM estava deitado sobre o teto de uma viatura, quase encoberta pela água. Esse mesmo PM chamou a atenção e reclamou da ação dos rapazes. “Fiquei surpreso e tenso, porque ele não estava ajudando, mas sim fumando sobre o teto do carro”, diz.

E foi dentro de um dos ônibus cercados por água na Praça da Bandeira que Diogo Vianna constatou uma das situações que mais o marcaram. “A água cobria todo o chão do veículo. Chegava na altura da canela. Presos no ônibus há horas, os passageiros usavam o último banco como banheiro. O cheiro era terrível”, lembra ele. “Assim que entrei no ônibus, um rapaz pediu: ‘Não olha para o fundo porque tem uma menina fazendo xixi’”, acrescenta.

Trajeto percorrido pelo boteO trajeto percorrido pelo bote foi de cerca de 2 km  (Foto: Arte G1)

 



‘Quando fomos embora, vimos um bote dos bombeiros chegando’ 
“Foi uma catástrofe mesmo”, ressalta Vianna, que disse ter ficado os dois dias seguintes sem dormir, trabalhando na edição de seu documentário – “Enchente de verdade” – e por causa da tensão. “A gente viveu uma situação onde, com aquele bote, era como se a gente estivesse enxergando em uma terra de cegos”, ressaltou o publicitário.

Veja o blog do grupo Rizoma

Ele conta que, depois de resgatarem entre sete e dez pessoas das ruas alagadas, – “não lembro ao certo” -, colocando-as dentro de ônibus, só quando estavam indo embora, por volta de 5h da manhã, viram algum socorro de órgãos públicos à população. “Já estava clareando quando vimos um bote dos bombeiros chegando à Praça da Bandeira”, recorda.

O publicitário espera nunca mais ter que passar por uma situação como a da madrugada do dia 6 de abril de 2010. “Mas se tiver outra enchente, vou sair com o bote. Só espero não ter que salvar ninguém, mas sim que os bombeiros salvem”, conclui Vianna.